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Eusébio +10: todos diferentes todos iguais

segunda-feira, 5 de junho de 2006

todos diferentes todos iguais

A teia de Luciano Moggi

PAULO ANUNCIAÇÃO in O JOGO

A investigação conduzida sob máximo segredo pelo Ministério Público de Nápoles, Turim e Roma, durante a época de 2004/05, não deixa margem para grandes dúvidas. Luciano Moggi, director-geral da Juventus desde 1994, montou uma teia criminosa que estendia o seu raio de acção a vários sectores do futebol e da sociedade italiana. A investigação tem por base escutas telefónicas realizadas a Moggi e seus cúmplices. No caso do director-geral, a tarefa foi imensa: Moggi utilizava regularmente entre seis e dez telemóveis (dois deles registados na Eslovénia) e tinha, em média, 416 conversas telefónicas por dia. A partir do conteúdo destas chamadas e posteriores interrogatórios efectuados pelos investigadores, a imprensa pôde deduzir, nos últimos dias, a forma como funcionava a rede mafiosa de Moggi
Árbitros
A peça mais importante da enorme teia construída por Luciano Moggi chama-se Massimo De Santis, o árbitro italiano com mais prestígio na era pós-Collina (Santis era um dos árbitros nomeados para o Mundial da Alemanha, mas foi afastado na sequência do escândalo). Tal como se pode ler nas conclusões preliminares dos investigadores italianos, Santis era um homem com uma “enorme capacidade criminosa e uma grande habilidade para apagar pistas e provas”. Santis, que conduz um Jaguar, tinha uma influência decisiva na elaboração das listas de árbitros que eram promovidos ou despromovidos no final de cada época. Além de Santis, outros oito árbitros foram suspensos. As escutas telefónicas revelam que a teia de Moggi/Santis não se limitava a assegurar arbitragens favoráveis à Juventus e clubes aliados (como a Lázio ou o Messina). Também se preocupavam em afundar clubes inimigos (como o Bolonha) e em massacrar com cartões amarelos e vermelhos os jogadores – defesas, sobretudo – das equipas que nas jornadas seguintes defrontavam a Juventus, de forma a que pelo menos um deles ficasse impedido de jogar.
Banca
A família Moggi contava com aliados importantes no sector financeiro. Chiara Geronzi, filha do banqueiro Cesare Geronzi – o homem-forte do Capitalia, um dos maiores bancos de Itália –, integra a Gea World SpA, dirigida por Alessandro Moggi. Os investigadores da procuradoria de Nápoles concluíram que os Moggi utilizaram essa ligação à Capitalia para pressionar – e eventualmente desmantelar – a AS Roma, um clube que vencera o campeonato em 2001 e que insistia em não acatar as instruções de Turim. Em 2004, Luciano Moggi decidiu contratar o treinador Fabio Capello e o médio brasileiro Emerson, da AS Roma. E utilizou, para isso, a influência do Capitalia. O clube romano devia, nessa altura, mais de 150 milhões de euros ao banco. O Capitalia deixou bem claro que qualquer resistência aos desejos da Juventus provocaria um corte imediato da linha de crédito e complicaria as negociações da AS Roma com a Sky com vista à venda dos direitos televisivos. Franco Sensi, proprietário da AS Roma, acabou por ceder.
Media
A influência de Moggi chegava ao ponto de controlar “Il Processo di Biscardi”, um programa muito popular – transmitido à segunda-feira pelo canal La7 da televisão italiana – onde se fazia a análise das jogadas mais duvidosas do fim-de-semana. Numa das conversas telefónicas, ouve-se Moggi a dar instruções a Biscardi para que um golo que a Juventus marcou em claríssimo fora-de-jogo fosse transformado num “lance duvidoso, um erro compreensível do árbitro”. O canal cancelou o programa na sequência do escândalo das escutas. Em 2005, o diário “La Gazzetta dello Sport” suspendera a coluna semanal de análise aos lances duvidosos que era escrita pelos responsáveis pela nomeação dos árbitros. Na altura, o director do jornal nunca justificou a decisão, tomada na sequência de uma coluna particularmente facciosa a favor da Juventus. Fê-lo agora – com um ano de atraso.
Futebolistas
A Gea World SpA é uma das protagonistas do escândalo. Fundada em Outubro de 2001 por filhos de grandes figuras do mundo do futebol e da finança, a empresa tem uma carteira de futebolistas/clientes com mais de duas centenas de nomes. Além de Chiara Geronzi (Capitalia), a Gea conta ainda com a colaboração de Davide, filho do actual seleccionador nacional, Marcello Lippi. Muitos jogadores estavam convencidos de que a Gea lhes abriria a porta para a internacionalização com a camisola da selecção italiana. A empresa, dirigida por Alessandro Moggi (filho de Luciano), Franco Zavaglia e Riccardo Calleri, teve lucros de seis milhões de euros nos últimos cinco anos. As suas ramificações estendem-se a todo o mundo do futebol, empregando homens de confiança como Aldair – “olheiro” da Gea para o mercado brasileiro (em Portugal, o “canal de preferência” é Dimas, o antigo jogador da Juventus que recentemente lançou a agência de “football management” JOD, com sede em Cascais). Nas últimas épocas, a Gea monopolizou quase por completo o mercado italiano de transferências de jogadores e de treinadores (Gigi Del Neri, ex-treinador do FC Porto, é um dos cerca de 30 técnicos representados pela Gea). Quando um clube se negava a vender jogadores à Juventus, Moggi aconselhava esses jogadores – como aconteceu com Cannavaro, Emerson ou Ibrahimovic – a jogar mal e fingir depressão. As autoridades estão a analisar, igualmente, os contratos de vários jogadores da Juventus por suspeita de pagamentos ilegais.
Polícia
Luciano Moggi mantinha contactos estreitos com polícias das corporações de Turim, Nápoles e Roma. Alguns deles – incluindo um graduado supostamente encarregado de combater a corrupção no futebol – colaboravam directamente com Moggi, fornecendo informações ou actuando como guarda-costas. Em troca, Moggi oferecia prendas, bilhetes para jogos e acesso às grandes estrelas do futebol.
Sinais do passado
Luciano Moggi era provavelmente a figura mais poderosa e obscura do futebol italiano. Nascido em Julho de 1937, Moggi iniciou-se na carreira de dirigente desportivo profissional na década de 70. Passou por vários clubes, incluindo Roma, Lázio, Torino, Nápoles e, desde 1994, Juventus. A passagem pelo Torino ficou marcada, aliás, pelo primeiro escândalo. Uma investigação jornalística revelou, na altura, que Moggi contratara várias prostitutas para “adocicar” os árbitros dos jogos do Torino na Taça UEFA de 1991/92. A equipa chegou à final depois de eliminar cinco adversários (incluindo o Boavista) e sempre com vitórias em casa. Uma das prostitutas, Monica Morini, revelou que tinha sido contratada para “fazer companhia” a um senhor estrangeiro – um dos árbitros – hospedado num hotel da cidade. O caso chegou ao tribunal de Turim e Luciano Moggi argumentou, em sua defesa, que nunca contratara qualquer prostituta: “Apenas solicitei os serviços de intérpretes”, disse ele, acrescentando, no entanto, que era “prática corrente” oferecer presentes aos árbitros. O tribunal não conseguiu provar a ligação entre as prostitutas e Moggi ou o Torino. A UEFA ignorou o caso.

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