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Eusébio +10: Ter ou nao ter raizes, estrangeiras ou locais

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Ter ou nao ter raizes, estrangeiras ou locais

Lembro-me do Desportivo e do Estrela. Sempre embirrei com o Estrela porque eram verdes, o Desportivo era azulado mas tinha meias vermelhas e afinal a sede ficava ali logo ao virar da esquina (era o ponto de encontro, com mais tres camones, das sextas-feiras 'a tarde sem aulas no setimo e oitavo ano, na mesa de bilhar e do snooker, onde apesar da insistencia consegui nao aprender a jogar nenhum deles decentemente). Os jogadores de futebol eram tipos locais, que trabalhavam para tratar da vidinha deles, treinavam duas ou tres vezes por semana, e o que recebiam pela actividade desportiva era pouco mais que uma gorgeta. Mas toda a gente os conhecia. Os "derbies" de Portalegre eram garantia de estadio cheio. Enfim, chamemos-lhe estadio (se o do Nacional e' estadio, o velhinho de Portalegre e' o Maracana). Lembro-me de quando foi inaugurado o relvado. Estava 'a pinha, nao havia um lugar vago.
Havia, claro, os indefectiveis, geralmente malta ja' na reforma, que nessa altura papavam os jogos todos em casa e passavam as tardes a jogar domino e bisca na sede. O meu avo, durante anos, nao falhou um jogo em casa do Estrela (e note-se que nestes idos dos anos 80, um bilhete para nao-socio custava a modica quantia de 600 paus!!!!! Para um jogo de terceira divisao!!!). De vez em quando uma subida 'a segunda, de vez em quando um jogo grande de taca de Portugal (uma vez foram os lagartos jogar contra o Estrela a Portalegre. Fui ver com o meu pai. Foi abada das grossas. O meu pai, que quando novo ainda jogou no Desportivo, nao era de todo pelo Estrela. Mas naquele dia, quando o Estrela fez o golo de honra, gritou como se tivesse sido o Eusebio a marcar naquela noite magica de Amsterdam.). Eu seguia a classificacao da serie D ('as vezes E) da terceira divisao, para manter a cena sob controlo. Quando as radios locais apareceram, a tarde desportiva era a acompanhar as proezas do Estrela e do Desportivo, com direito a comentador oficial para o futebol profissional (que, por acaso, era o meu professor de matematica).
Um ano o Desportivo foi campeao da terceira. Acho que a final foi em Tomar. La' para a uma e tal da manha comecou a chegar a malta que foi ver, e so' se ouvia, rua abaixo, "Oe, oa, Portalegrense e' o melhor que ha'". Depois comecaram a vir as manias das grandezas. Um brasileiro, depois dois, depois tres, depois meia-equipa. Comecou a faltar dinheiro para os salarios, e a Camara Municipal comecou a ter que entrar. Depois passou a ser ilegal a camara entrar nessas vidas, e a camara teve que passar a ser mais criativa nos apoios. Era para "apoiar o futebol jovem". Esta' claro. A seguir, um depois do outro, a falencia, ou quase, a queda esquecida nos distritais, a ressureicao para de facto se dedicarem ao futebol de formacao. Com pessoal dali, que treina tres vezes por semana no pelado e se arrasta por um lamacal qualquer das redondezas numa manha fria dos domingos de janeiro ou fevereiro.

Isto tudo para dizer o seguinte: se uma equipa nao disser nada 'a comunidade, qual cogumelo ali plantado pelos acasos da natureza, nao tem viabilidade. Depois admirem-se de quantas pessoas vao ver os jogos ao estadio. Se a equipa tiver raizes de facto, se apelar 'a populacao onde se encontra sediada, entao ai' arrasta as gentes, e equipa que arrasta gente nunca vai abaixo. Pode subir um ano e descer no outro, mas nunca vai abaixo (por exemplo, o Leixoes, antes de se prostituir aos corruptos, ou o Setubal, antes de se prostituir aos corruptos, ou a Academica, o Guimaraes, o Chaves... o Covilha... o Barreirense... etc., etc., etc.). Encher uma equipa de jogadores que ninguem ouviu falar e que nao sao melhores que os locais que la' andavam, e' a auto-estrada para a desercao e para o esquecimento. Se forem bons, ai' nao interessa de onde vem, a malta vai la' ver e ao fim de tres semanas ja' estao na tasca a beber uma bejeca.

Como disse num comentario anterior ha' 3 ou 4 dias, o problema nao e' a nacionalidade mas a qualidade. Se eu tivesse vindo aqui para onde estou para trabalhar nas obras, tinham-me dito "obrigado, mas ja' ca' temos que chegue". Esta e' a frase-chave.

4 comentários:

Diogo disse...

nuno,

in a word: brilhante.

Gonçalo Canavilhas disse...

Boas, grande blog.


Linkem.nos: vivaobenfica.wordpress.com

Anónimo disse...

Obrigado por me lembrares o meu primeiro (ao Benfica ligava pouco na altura) clube de futebol - o Portalegrense. O pplnão lhe chamava muito por desportivo, era mais Portalegrense.
Tinha eu os meus 8-9 anos e costumava ir brincar com outros putos para dentro do campo, atrás da baliza quando havia treino, como era o caso naquele dia.
Ora nos treinos as balizas não tinham rede e as bolas eram pesadas e duras que nem corno.
Foi há cerca de 46 anos e jogava lá o meu "amigo" Jacinto, que era ponta de lança e cobrador dos autocarros municipais...
Dotado (toda a gente o dizia) de um fortissímo pontapé, resolveu naquele dia mandar forte à baliza, golo, pois claro, e bola na minha cabeça, sem sequer ter visto o que se passou...desmaei e dou por mim com o Jacinto a reanimar-me e mais uns quantos em volta e eu a dizer que estava tudo bem...
AH...nunca mais fiquei a brincar atrás da baliza...
Cumprimentos,
ANF

Nuno disse...

Isso e' claramente um episodio que fica na cabeca! :D:D